sexta-feira, 24 de abril de 2009

Não pise naquilo que já está doendo

Não pise naquilo que já está doendo


Fico tentando compreender, qual a necessidade que temos de usar de um senso crítico, geralmente ácido, diante daquilo que atribuímos como erro. Tem-se tido nas interações humanas pouca tolerância em relação ao deslize do outro, aquilo que julgamos que ele fez de errado.
Outro dia, caminhando pela rua, vinham na minha frente um casal de namorados. Mais uns passos a diante, a moça pisou em falso e tropeçou. No mesmo momento, o namorado começou raivosamente a exclamar:
- tá vendo o que dá, usar estes sapatos com o salto desta altura? Viu só!
Incrivelmente, o jovem rapaz não foi capaz de observar atentamente se a sua namorada havia se machucado ou não. O que fez foi despejar uma vasta gama de conteúdos críticos que habitavam em sua consciência.
Freqüentemente, esquecemos que estamos pisando em pessoas as quais estimamos.
Nesse tipo de relacionamento, é comum ouvirmos frases como: “eu não te disse! Está vendo, você não quis me ouvir, e agora veja só no que isso resultou?”; “você não quis escutar a voz da experiência...”.
Ao pensarmos nessas frases tão corriqueiras, vamos notar que elas são aos milhares. Talvez preencheríamos uma página inteira.
Aquele que crítica, tem a sensação dentro de si que o outro não está sabendo do que está acontecendo em função do momento em que o evento está se desenrolando. Imagina que ele não entende a gravidade do processo e do que suas ações resultaram. No entanto, não é isso que ocorre.
Todos nós temos um senso que nos indica quando fizemos algo que não contribuiu para o nosso bem-estar e do outro. Sabemos intuitivamente quando saímos do trilho. Sabemos quando cometemos um equívoco. Sentimos na pele, no corpo, as amargas sensações que as nossas ações promoveram.
Às vezes, aquilo que atribuímos como tendo feito algo de errado dói tanto dentro da gente que não conseguimos expressar com clareza e amplidão para o outro o quanto isso está nos machucando. Parece que uma imensa ferida foi aberta na nossa alma e que nunca mais irá cicatrizar.
Não bastasse a nossa própria dor, vem o outro, carente de sensibilidade e despeja dentro dessa ferida um ácido de críticas e de julgamentos ferozes. Já estamos deitados na lona pela dor do momento, mas, mesmo assim, ainda teremos que ouvir os “sermões-educativos” da outra pessoa, a qual supõe serem capazes de transformar a nossa vida. Tentando nos educar pelas agressões e não pelo amor.
Desconheço alguma pessoa que fale assim:
- Olha! Quando você vem com esses sermões moralistas para cima de mim, criticando aquilo que tenho feito de errado, fico dentro de mim saudando com alegria essas críticas, pois elas me auxiliam a tomar o rumo certo de minha vida. Devo admitir que sou uma pessoa abençoada por Deus, por Ele colocar você no meu caminho. Obrigado”.
Veja que não se trata de negarmos a nossa responsabilidade perante o ato. Trata-se, sim, de sermos respeitados como seres humanos, merecedores de compaixão e compreensão. Nunca vi alguém se educar através de xingamentos e insultos.
Fico pesando aonde foi que construímos essa forma de querer educar o outro usando de tamanha violência? Será que é uma herança primitiva que volta e meia brota em nosso psiquismo, deixando jorrar através dos nossos centros comunicativos essa imensa bagagem de palavras, gestos e ações que só geram conflitos e desentendimentos entre aqueles que são da mesma espécie, irmãos de jornada?
Raramente, encontraremos pessoas querendo errar. Penso que a pessoa que decide errar por querer, conscientemente, errar, de certa forma, ela alcançou sucesso no seu empreendimento. Entretanto, não é assim que as ações das pessoas se desenvolvem. Quando fazemos algo, sempre queremos que dê certo, que as coisas se resolvam, que tenhamos tido a melhor resolução, e a decisão adequada para o que estamos realizando no momento.
Pergunte a uma mãe sobre o a educação que ela deu ao seu filho. Indague-a se não estava dando o melhor dentro daquilo que ela considerava ser ideal? E, certamente, a mãe irá concordar positivamente, dizendo que tudo o que ela fez foi para garantir uma qualidade de vida para o seu filho que fosse superior aquela que ela mesma teve.
Assim, quando cometemos um equívoco estamos dando o melhor de nós, naquele momento. Não estamos intencionalmente querendo errar. Possivelmente as estratégias e ações que escolhemos para determinadas tarefas não foram adequadas, fazendo com que as nossas ações nos levassem para caminhos desintegradores, gerando dor, arrependimentos e conflitos, mas, mesmo assim, fazemos o que fazemos, tendo em mente o acerto e não o erro.
Quando estamos cientes de nossas potencialidades humanas, vamos buscar empatizar com a outra pessoa ou conosco mesmos diante dos equívocos que as ações proporcionam, evitando ao máximo, e até excluindo de do comportamento qualquer atitude que venha ao encontro de uma punição ou castigo.
Caso o castigo ou punição educassem, as penitenciarias do mundo inteiro seriam templos espirituais e não lugares desumanos, sujos e potencializadores de maior delinqüência.
Obviamente, quando alguém comete um equívoco, podemos ser duros em nossas posturas, mas sem fazermos uso de qualquer tipo de violência ou coação. Como diz o ditado atribuído a Che Guevara: “Temos que endurecer, porém sem perder a ternura, jamais”.
Há uma tribo na África que usa uma metodologia de restauração da Justiça, oposta daquelas que normalmente estamos acostumados a ver. Quando um membro da tribo vai contra as necessidades de harmonia, bem-estar ou segurança da comunidade, por exemplo, todos os membros se reúnem em roda e colocam a pessoa infratora no centro do círculo. A partir desse momento, as pessoas da aldeia passam a recordar algumas ações que a pessoa fez, que de alguma maneira, contribuíram para o bem-estar da tribo. Um membro toma a palavra e diz: - Ah! Eu lembro quando você caçava aqueles cervos e assim que chegava na aldeia nos ofertava um pedaço de carne. Um outro membro completa: - Outra vez, você socorreu meu filho que estava sendo atacado por um urso faminto. Notem que nesse exemplo, não se está pisando naquilo que já está doendo, e, sim, resgatando o indivíduo daquele universo escuro no qual ele se enredou e perdeu a conexão com as necessidades sublimes da vida.
Da mesma forma, que a esposa carente de atenção e carinho do seu marido, não busca apontar para a ausência de suas ações afetivas dizendo: - você nunca mais me fez um carinho. Já se passaram dois anos e você nunca mais me levou ao cinema ou a um restaurante. Poderíamos considerar que tal atitude seria cutucar o leão com vara curta, o que significa - perigo eminente.
E, se, no entanto, a esposa dissesse ao seu marido:
- Quando lembro o quanto você era carinhoso e afetuoso anos atrás e todas as coisas que fazíamos juntos, risos, brincadeiras, passeios, fico então pensando, e, ao mesmo tempo, gostaria de perguntar a você, como foi que chegamos a esse momento vivendo juntos dessa forma tão sem sabor, nem prazer?

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